Diz o provérbio que, se conselho adiantasse, a gente venderia em vez de dar. Conselho só adianta quando não contraria o desejo de quem é aconselhado.
O melhor exemplo da ineficácia do conselho está no livro de Cervantes. Tendo como ofício andar pelo mundo combatendo o mal, Dom Quixote o encontra aonde quer que vá. Embora Sancho Pança se valha de argumentos fundados na realidade para convencer o amo de que o mal é imaginário, o fiel escudeiro nada consegue.
Um exemplo disso é o célebre episódio em que, pelo fato de só imaginar batalhas e desafios, o Quixote toma um rebanho de ovelhas por um "copiosíssimo esquadrão". Quando Sancho lhe diz que se trata de uma ilusão, ele exclama: "Pois então não ouves o relinchar dos cavalos, o tocar dos clarins, o rufar dos tambores?". E avança de lança em riste sem dar atenção ao conselho do escudeiro: "Volte, vosmecê... Juro por Deus que são carneiros e ovelhas o que vai atacar".
Nem morto, ou quase morto pelas pedras que os pastores atiram, o Quixote desiste de acreditar que lutou contra um esquadrão inimigo. Alega que, por invejar a sua glória, o Maligno o persegue, faz aparecer e desaparecer as coisas, transformando até um exército num rebanho.
O Quixote é louco, claro, porque não leva em conta a realidade, mas não é por acaso que nós nos reconhecemos nele. Assim é porque privilegiamos o nosso imaginário. Também nós ouvimos sem escutar e enxergamos sem ver para impedir que o nosso desejo seja contrariado.
Segundo Freud, não é possível acabar com uma fantasia mostrando que a realidade é contrária a ela. A fantasia resiste aos argumentos e só se transforma quando o próprio sujeito descobre a sua origem. Daí a razão pela qual a cura analítica se apoia na rememoração. O analista que se vale da realidade para convencer o analisando a abrir mão do que imagina é quixotesco no mau sentido.
Só é possível agir sobre o desejo fazendo outro desejo emergir. Isso é o que faz o analista se o analisando, ao contrário do Quixote, for capaz de escutar. Como isso raramente acontece no começo de uma análise, ambos têm de saber esperar.
Betty Milan