De tanto ouvir triunfar o discurso do "tenho direito a isso", "estou no meu direito" e "é de direito", como se esses direitos fossem obrigatórios e requeressem atendimento imediato, parei para pensar no possível significado dessa novidade com que venho trombando com tanta frequência. Há uma certa confusão entre "eu quero", "eu posso", "eu devo", "eu tenho direito". Querer, para começar, não é poder, o que traz limitações impositivas. Em algum momento da vida, isso ocorre, quando a autoridade externa e a existência de outros se fazem presentes. Posso querer não só o que é de meu direito como também o que não é. Por outro lado, nem sempre tenho que querer tudo a que tenho direito. Distinguir entre "querer", "poder", "ter direito" e "dever" é condição necessária para o correto exercício da cidadania. Acho que essa distinção nem sempre está clara em nosso cotidiano. Arcando com as consequências, podemos exercer ou não os tais direitos. Posso me embriagar, me atrasar, faltar, prometer e não cumprir e outros tantos atos anti-sociais, mas não sou obrigada a tanto. O fato de esses direitos me terem sido outorgados não me obriga a exercê-los. O dono de uma loja pode fechá-la, mas as contas a pagar vão se acumular e dores de cabeça virão. Todos têm direito a folga, férias, prazeres, identidade, distinção. Até mesmo a serem amados. E por que não? Só que esses direitos não nos são obsequiados à toa. Dependem de oportunidade, sorte e empenho. Quase sempre realizar direitos e desejos depende de sabermos agradar pelo que fazemos e pelo que somos. Venho percebendo um desligamento da noção de direito da ideia de empenho e luta. Fica a impressão de que, se eu tenho direito, alguma entidade deve me garantir acesso a ele. Enquanto criança, a família precisa cumprir a promessa de direito à proteção e à educação, para permitir ao futuro adulto que ele viva por sua conta e risco. Os pais podem se esforçar, mas nada garante que todos os filhos usufruam igualmente do que lhes é ofertado, o que nos lembra que a própria natureza determina uma certa desigualdade até diante de "direitos". A incompreensão frente à noção de direito provoca um amargor que arma os espíritos para rebeldia e insatisfação. Tenho o direito de chegar atrasada e de faltar a compromissos, mas os outros não têm dever de apreciar e apoiar o que faço. Por incrível que pareça, "ter direito" não é nenhuma "via real" para o exercício da justiça. Pode uma placa de trânsito dizer que a velocidade permitida é de 100 km/h. Pena que o congestionamento não me deixa andar... A lei faculta, os estatutos prevêem, mas a realidade nem sempre ajuda. E não adianta chorar. O "tenho direito" ganhou um estatuto estranho na linguagem cotidiana. O excesso de regras e regimentos que assolam a sociedade moderna pode ter dado destaque a esse sentimento (do direito) sem que se tenha deixado claro alguns correlatos. Tenho direito, mas será que eu quero? Tenho direito, mas será que eu devo? Tenho direito, mas será que eu agüento? Tenho direito: Mas precisa ser já? E, por falar em "precisa ser já", um dia vou falar sobre o imediatismo que assola o mundo.
Ana Verônica Mautner